13 de Outubro. Numa rua de Foshan, na China, uma menina de dois anos chamada Yue Yue tinha saído da loja dos pais sem estes darem conta.
O que se passou a seguir foi captado por uma câmara de segurança.
O vídeo: vemo-la deambulando pela estrada, sozinha, sem se aperceber do enorme perigo que corre. Porque é um vídeo visto já por milhões e falado em dezenas de publicações em todo o mundo, adivinhamos o que está prestes a acontecer.
Uma carrinha branca aproxima-se e atropela-a. A roda dianteira passa por cima do corpo da criança e o condutor imobiliza a viatura.
O que esperamos que aconteça, perante este atropelamento registado por uma câmara de segurança, é que o condutor saia do carro e socorra a criança.
Não é isso que acontece. O condutor não chega a sair do carro. Em vez disso, volta a arrancar com o veículo, passando lentamente por cima do corpo da menina, desta vez com a roda traseira. A menina fica estendida no chão, inconsciente, esvaída em sangue.
O que esperamos que aconteça, perante este segundo atropelamento, é que alguém passe pela rua e socorra a criança.
Não é isso que acontece. Três pessoas passam, olham e seguem em frente como se aquele ser humano fosse um cão vadio atropelado. Enquanto o nosso cérebro tenta processar esta desumana indiferença, um segundo carro aproxima-se. O condutor não dá pela menina estendida no asfalto e a criança é atropelada pela segunda vez.
O que esperamos que aconteça, perante este horror, é que alguém passe e acabe por socorrê-la. Talvez ainda possa ser salva.
Não é isso que acontece. Passam mais duas, três, quatro, cinco, dez, doze pessoas, dezoito ao todo, e ninguém mexe uma palha para retirar o corpo do meio da estrada, muito menos levá-la a um hospital.
A décima nona pessoa
Chen Xianmei, 57 anos, empregada de limpeza, repara na criança quando despeja o lixo e carrega-a para fora da estrada enquanto grita por ajuda. Chen é a décima nona pessoa. Tinham passado sete minutos. É então que chega a mãe para levar a filha ao hospital.
Chegou em estado de coma. Só um reflexo a estímulos de dor impediu os médicos de declarar morte cerebral. Cinco dias depois, a criança morreu.
A consciência moral de uma grande parte dos chineses ficou ali naquela estrada suja e mal iluminada, afundada numa poça de sangue. A China pergunta porquê.
Grande parte dos transeuntes nega ter percebido o que se estava a passar. Alguns negam tê-la visto. Outros confessam-se: «Sinto-me arrependida, cheia de dor e culpa» – diz um deles, a mãe de uma criança de cinco anos. «Pensei que ela tinha caído numa brincadeira qualquer, não fazia ideia de que tinha sido atropelada por dois veículos. Ela sangrava do nariz e da boca, e chorava. Assustei-me, a minha filha assustou-se, e fugimos dali para fora.»
«Queria levantá-la, mas havia tanto sangue. Fiquei em pânico».
O condutor que a atropelou e voltou a atropelar, já detido pela polícia, tem também justificações a dar: «Se outra pessoa a tivesse atropelado também fugia. Se ela não estivesse no meio da estrada não a tinha atingido».
Há quem atribua esta reação de indiferença a um caso ocorrido em 2006 e que teve sérias repercussões no país: uma senhora caiu, um bom samaritano ajudou-a, levou-a ao hospital, a senhora processou-o, acusando-o de ter sido o causador da queda, o juiz decretou que só ele poderia, de facto, ter tido condições para ser o autor da queda, dada a proximidade da vítima, e condenou-o a uma pesada indemnização. É uma história verídica, mas dificilmente poderá explicar este caso.
Por isso, a China procura lavar uma consciência ensanguentada com o papel brilhante das notas.
Uma empresa ofereceu aos pais 50.000 yuan (pouco mais de 5,600 euros). Outra reuniu 500,000 (56,9 mil euros) para ser dividido entre a família da criança, a única mulher que a procurou ajudar, Chen Xianmei, e um fundo destinado a recompensar quem ajude os outros.
Chen Xianmei, a mulher do lixo, recusou a recompensa.
«Não o fiz por dinheiro».
Retirado de: http://bitaites.org/
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